E tem como ler Marla e não se emocionar?!
Kátia Nascimento
Quando terminei de falar, senti foi a dentada da tristeza em
meu peito.
Eu fui andando, andando, quase olhei pra trás e pedi que
desconsiderasse aquilo tudo.
Mas não dava pra desmanchar aquele ponto final.
Não se remove um "adeus" com um "esqueça tudo
que eu disse".
É que eu pensava que nem ia doer.
E foi com meu coração disparado que apressei o passo e
ganhei estrada.
Eu respirava fundo chamando a tranqüilidade de volta.
Mas ela não veio.
Enquanto me afastava, pensei que eu tava indo embora de tudo
nele.
E sei que fiquei como um ranço,
algo que lateja até que se perdoe.
Era ele aprisionado na lembrança do que eu havia sido.
Só tive paz mesmo, quando o seu coração desmanchou o
hematoma da saudade num choro compulsivo, no colo do melhor amigo.
Porque nem calma eu tinha pra ajudar.A carne sempre fraca
pra afagar,
acabava indo mais longe e tudo voltava ao antigamente.
Aí eu tive que ficar quieta no meu canto, toda lacerada pela
falta.
Foi um período solitário em que vivi o luto necessário.
Ele nem desconfiou que eu também estava triste, talvez se
sentisse melhor se soubesse.
Mas eu tinha que fazer valer minha palavra,
demorei muito tempo tomando coragem.
Demorei muito tempo desparafusando aquela gaiola e, depois,
reaprendendo a voar.
Tive ímpetos de escrever uma carta falando das qualidades
dele, de tudo que havia me feito crescer.
Mas quando fui escrever só consegui dizer: Desculpe, não se
pode negociar com a paixão.
Porque eu também não entendo às vezes esses caminhos que a
vida tece.
E nós que morávamos um no outro, ficamos sem casa.
Perdoe a falta de abrigo, é que agora eu moro no caminho.
[Marla de Queiroz]
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