A crônica trasncrita, faz parte do livro "Coisas da vida" de Martha Medeiros. Este livro possui todas as crônicas que foram publicadas originalmente nos jornais Zero Hora e O Globo entre setembro de 2003 e setembro de 2005. É um livro de bolso, super prático. A editora é L&PM. Vale a pena ler. #ficadica
Ká
Lembranças mal lembradas
"A maioria dos nossos tormentos não vem de fora, estão alojados na nossa mente, cravados na nossa memória. Nossa sanidade (ou insanidade) se deve basicamente à maneira como nossas lembranças são assimiladas. "As pessoas procuram tratamento psicanalítico porque o modo como estão lembrando não as libera para esquecer". Frase do psicanalista Adam Phillips, publicada no livro "O flerte".
Como é que não pensamos nisso antes? O que nos impede de ir em frente é uma lembrança mal lembrada que nos acorrenta no passado, estanca o tempo, não permite avanço. A gente implora a Deus para que nos ajude a esquecer um amor, uma experiência ruim, uma frase que nos feriu, quando na verdade não é esquecer que precisamos: é lembrar corretamente. Aí, sim: lembrando como se deve, a ânsia por esquecimento poderá até ser dispensada, não precisaremos esquecer de mais nada. E, não precisando, vai ver até esqueceremos.
Ah, se tudo fosse assim tão simples. De qualquer maneira, já é um alento entender as razões que nos deixam tão obcecados, tristes, inquietos. São as tais lembranças mal lembradas.
Você fez cinco anos, sonhava ganhar a primeira bicicleta, seu pai foi viajar e esqueceu. Uma amiga íntima, que conhecia todos os seus segredos, roubou seu namorado. Sua mãe é fria, distante, e percebe-se que ela prefere disparadamente sua irmã mais nova. E aquele amor? Quanta mágoa, quanta decepção, quanto tempo investido à toa, e você não esquece - passaram-se anos e você, droga, não esquece.
Essas situações viram lembranças, e essas lembranças vão se infiltrando e ganhando forma, força e tamanho, e daqui a pouco nem sabemos mais se elas seguem condizentes com o fato ocorrido ou se evoluíram para algo completamente alheio à realidade. Nossa percepção nunca é 100% confiável.
O menino de cinco anos superdimensionou uma ausência que foi emergencial, não proposital. Você nem gostava tanto assim daquele namorado que sua amiga surrupiou (aliás, eles estão casados até hoje, não foi um capricho dela).
Sua mãe tratava as filhas de modo diferenciado porque cada filho é de um modo, cada um exige uma demanda de carinho e atenção diferente, o dia que você tiver filhos vai entender que isso não é desamor.
E aquele cara perturba seu sono até hoje porque você segue idealizando o sujeito, recusa-se a acreditar que o amor vem e passa. Tudo parecia tão perfeito, ele era o tal príncipe do cavalo branco sem tirar nem pôr. Ajuste o foco: o coitado foi apenas o ser humano que cruzou sua vida quando você estava num momento de carência extrema. Libere-o desta fatura.
São exemplos simplistas e inventados, não sou do ramo. Mas Adam Philips é, e me parece que ele tem razão. Nossas lembranças do passado precisam de eixo, correção de rota, dimensão exata, avaliação fria - pena que nada disso seja fácil. Costumamos lembrar com fúria, saudade, vergonha, lembramos com gosto pelo épico e pelo exagero. Sorte de quem lembra direito. "
Martha Medeiros
Como é que não pensamos nisso antes? O que nos impede de ir em frente é uma lembrança mal lembrada que nos acorrenta no passado, estanca o tempo, não permite avanço. A gente implora a Deus para que nos ajude a esquecer um amor, uma experiência ruim, uma frase que nos feriu, quando na verdade não é esquecer que precisamos: é lembrar corretamente. Aí, sim: lembrando como se deve, a ânsia por esquecimento poderá até ser dispensada, não precisaremos esquecer de mais nada. E, não precisando, vai ver até esqueceremos.
Ah, se tudo fosse assim tão simples. De qualquer maneira, já é um alento entender as razões que nos deixam tão obcecados, tristes, inquietos. São as tais lembranças mal lembradas.
Você fez cinco anos, sonhava ganhar a primeira bicicleta, seu pai foi viajar e esqueceu. Uma amiga íntima, que conhecia todos os seus segredos, roubou seu namorado. Sua mãe é fria, distante, e percebe-se que ela prefere disparadamente sua irmã mais nova. E aquele amor? Quanta mágoa, quanta decepção, quanto tempo investido à toa, e você não esquece - passaram-se anos e você, droga, não esquece.
Essas situações viram lembranças, e essas lembranças vão se infiltrando e ganhando forma, força e tamanho, e daqui a pouco nem sabemos mais se elas seguem condizentes com o fato ocorrido ou se evoluíram para algo completamente alheio à realidade. Nossa percepção nunca é 100% confiável.
O menino de cinco anos superdimensionou uma ausência que foi emergencial, não proposital. Você nem gostava tanto assim daquele namorado que sua amiga surrupiou (aliás, eles estão casados até hoje, não foi um capricho dela).
Sua mãe tratava as filhas de modo diferenciado porque cada filho é de um modo, cada um exige uma demanda de carinho e atenção diferente, o dia que você tiver filhos vai entender que isso não é desamor.
E aquele cara perturba seu sono até hoje porque você segue idealizando o sujeito, recusa-se a acreditar que o amor vem e passa. Tudo parecia tão perfeito, ele era o tal príncipe do cavalo branco sem tirar nem pôr. Ajuste o foco: o coitado foi apenas o ser humano que cruzou sua vida quando você estava num momento de carência extrema. Libere-o desta fatura.
São exemplos simplistas e inventados, não sou do ramo. Mas Adam Philips é, e me parece que ele tem razão. Nossas lembranças do passado precisam de eixo, correção de rota, dimensão exata, avaliação fria - pena que nada disso seja fácil. Costumamos lembrar com fúria, saudade, vergonha, lembramos com gosto pelo épico e pelo exagero. Sorte de quem lembra direito. "
Martha Medeiros
'Lembrançs mal lembradas'...pior que as temos! Tenho esse livro da Martha, mas não lembrava dessa crônica...
ResponderExcluirUma sexta luminosa e com boas lembranças!
Ká, lindona,
ResponderExcluirE quem lembra? Mas é sempre bom ler a Marta.
Bjocas e uma sexta bem linda
OI Ká
ResponderExcluirAdoro os textos da Martha cada um melhor que o outro.
Bjs e boa noite
conhecendo teu blog.
ResponderExcluirMuito bom tudo aqui.
Tenha um feliz final de semana.
Maurizio
Olá tudo bem bom dia,
ResponderExcluirentão é um pouco de mito, que a carne deixa mais musculosa...como só peixe e d~e uma olhada nos músculos da minha perna, tive que diminuir a power jump,pois fazia todos os dias, faço agora 3x por semana. Mas corrida pelo menos 1:30hrs por dia, pilates 3x por semana, balé 2x por semana e os tratamentos estéticos todos os dias, cada dia um...rsrssr Tem que se cuidar.Beijão Grande e uma ótima sexta-feira com final de semana de sol...
Oi Katia! Muito obrigada pela visitinha! Achei esse post muito legal, muito bom para refletir!
ResponderExcluirBeijinhos
Oi amiga, vim matar a saudade e pedir desculpas pela ausência, a vida é feita de pausas e estou fazendo a minha logo volto.
ResponderExcluirotimo final de semana com bjos
lindo todos os textos dela...
Passando para conhecer seu blog!!!
ResponderExcluirBLOG= www.vovosanta.blogspot.com
LOJA= www.vovosantastore.blogspot.com
TWITTER= http://twitter.com/vovosanta
Martha é MARAVILHOSAAAAA!
ResponderExcluirBeijo Ká!
Oi querida Kátia, não irei dizer que teconheço a mais de 35 anos....rssss. Por favor, não esqueça de Ada Augusta Byron King e Eleanor Roosevelt.
ResponderExcluirBeijos no seu coração e parabéns pelo blog.