VOCÊ É
Você é os brinquedos que brincou, as gírias que usava, você
é os nervos à flor da pele no vestibular, os segredos que guardou, você é sua
praia preferida, Garopaba, Maresias, Ipanema, você é o renascido depois do
acidente que escapou, aquele amor atordoado que viveu, a conversa séria que
teve um dia com seu pai, você é o que você lembra.
Você é a saudade que sente da sua mãe, o sonho desfeito
quase no altar, a infância que você recorda, a dor de não ter dado certo, de
não ter falado na hora, você é aquilo que foi amputado no passado, a emoção de
um trecho de livro, a cena de rua que lhe arrancou lágrimas, você é o que você
chora.
Você é o abraço inesperado, a força dada para o amigo que
precisa, você é o pêlo do braço que eriça, a sensibilidade que grita, o carinho
que permuta, você é as palavras ditas para ajudar, os gritos destrancados da
garganta, os pedaços que junta, você é o orgasmo, a gargalhada, o beijo, você é
o que você desnuda.
Você é a raiva de não ter alcançado, a impotência de não
conseguir mudar, você é o desprezo pelo o que os outros mentem, o
desapontamento com o governo, o ódio que tudo isso dá, você é aquele que rema,
que cansado não desiste, você é a indignação com o lixo jogado do carro, a
ardência da revolta, você é o que você queima.
Você é aquilo que reinvidica, o que consegue gerar através
da sua verdade e da sua luta, você é os direitos que tem, os deveres que se
obriga, você é a estrada por onde corre atrás, serpenteia, atalha, busca, você
é o que você pleiteia.
Você não é só o que come e o que veste. Você é o que você
requer, recruta, rabisca, traga, goza e lê. Você é o que ninguém vê.
Martha Medeiros MEDEIROS, M. Non-Stop: crônicas do
cotidiano. Porto Alegre: L&PM Editores, 2001. .
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