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quarta-feira, 8 de maio de 2013

A gente cuida uma da outra - Texto de Thayz Athayde

A gente cuida uma da outra

Segundo o Secretário–Geral da ONU Ban Ki-Moon: “Cerca de 70% das mulheres sofrem algum tipo de violência no decorrer de sua vida. As mulheres de 15 a 44 anos correm mais risco de sofrer estupro e violência doméstica do que de câncer, acidentes de carro, guerra e malária, de acordo com dados do Banco Mundial”. Ele também acrescenta: “Calcula-se que, em todo o mundo, uma em cada cinco mulheres se tornará uma vítima de estupro ou tentativa de estupro no decorrer da vida”. A partir de várias estatísticas como essa a ONU aprovou medidas para combater a violência contra mulher, mais de 130 países assinam acordo sobre o fim da violência contra a mulher.

Quando militamos pelo movimento feminista, seja em um ato, marchas, palestras, nas ruas ou virtualmente, é comum mulheres — que muitas vezes não nos conhecem — nos procurarem para relatar casos de violência. Todos os tipos de violências. Por mais que as estatísticas estejam ai a nossa reação sempre será de tristeza e de luto. A nossa vontade sempre será de ajudar e tentar resolver tudo da melhor forma possível. Muitas vezes essas mulheres nos contam que seus processos e medidas protetivas simplesmente não funcionam no dia-a-dia e elas continuam com medo. A sensação é de impunidade.

O primeiro impulso é assegurar que todas essas mulheres não sofram mais violência e se empoderem. E com isso a ideia de que a gente cuida uma da outra, de que mexeu com uma mexeu com todas, de que não podemos fingir que não estamos vendo quando uma mulher está sendo violentada — mesmo que você nunca tenha visto essa mulher na vida — faz muito mais sentido. Porque a Lei Maria da Penha não pode ser uma lei apenas punitiva e nós fazemos isso quando dizemos para sociedade: ei, você não pode fazer isso, machismo mata.

Com esse sentimento de cuidar uma da outra que vou contar como ajudamos uma amiga.

Moro em Curitiba e ajudo na construção da Marcha das Vadias local, nessa vadiagem feminista conheci a Maria (nome fictício). Ela nos contou sua história de violência, foi agredida moralmente e fisicamente pelo ex-namorado, além de ser estuprada. Ela denunciou o ex- namorado na delegacia e entrou com processo. Também denunciou na Universidade onde estudava e isso rendeu apenas 90 dias de suspensão para o rapaz, nada mais.

Depois do rompimento de Maria com o namorado, ele começou a namorar outra mulher e a história de violência se repetiu com a nova namorada. Mesmo com o processo, nada foi feito. Maria ficou triste, arrasada, por ela e pela outra mulher que também foi agredida por seu ex-namorado. Dia 03 de abril foi a festa de formatura dele, a mesma formatura que Maria deveria estar, mas não conseguiu porque não aguentou conviver com o seu agressor. A mesma formatura que a outra mulher que ele agrediu estaria. E foi então que Maria percebeu que isso não poderia ficar dessa forma, alguma coisa deveria ser feita. Decidimos fazer um ato silencioso em frente ao local da formatura, dessa forma não iríamos atrapalhar a formatura das outras pessoas, mas ele saberia que estaríamos lá, todxs saberiam que estaríamos lá.

Nos posicionamos silenciosamente do lado de fora do teatro da Universidade, com maquiagens parecidas com as da foto abaixo. Nos cartazes estavam escritas várias frases sobre violência contra a mulher, o nome do agressor e também o “mexeu com uma, mexeu com todas”. Estávamos ali, seis mulheres, seis amigas cuidando uma da outra.

A mãe da outra mulher agredida veio nos cumprimentar, nos agradecendo emocionada e contou que naquele mesmo dia o agressor passou o dia encurralando sua filha. A outra mulher agredida olhou para todas nós, olhou para minha amiga e sorriu como um sinal de alívio. Várias pessoas que estavam na formatura nos apoiaram. Outrxs nos olharam confusxs ou indignadxs com o colega que havia praticado violência. Infelizmente também existiam pessoas que acham que a violência contra a mulher é brincadeira e por isso riram. Um rapaz fingiu que estava batendo na sua namorada e achou que isso seria uma bela piada.

Porém, enquanto isso, três mulheres passavam por ali viram a situação e nos perguntaram o que havia acontecido. Contamos toda a história e elas imediatamente pediram para participar do protesto, pois disseram que não poderiam ficar caladas diante dessa violência, mesmo que elas não conhecessem as mulheres que foram agredidas. Várias pessoas foram conversar, perguntar o motivo do protesto, declarar seu apoio. Quando já estávamos indo embora um amigo nos ajudou e avisou outras mulheres sobre o protesto. Outras amigas foram chegando. E de repente não éramos mais seis, éramos muitxs, éramos todxs.

Esse post não é para dizer que somos legais e que também existem outras pessoas legais. Esse post é para falar que a sororidade existe. E essa sororidade me emocionou naquele dia, emocionou ver tantas mulheres nos apoiando, com um sorriso, com palavras, erguendo cartazes e dizendo que não importa se elas não conhecem as mulheres agredidas, o que importa é que devemos nos erguer diante de qualquer violência.

Devemos nos erguer quando uma mulher é assediada no ônibus, nas ruas, no trabalho, na escola, na faculdade, em qualquer lugar. Não devemos nos calar quando uma mulher é chamada de vadia porque exerce sua liberdade sexual. Não podemos rir daquelas piadas machistas só porque é humor e fazer piada tá tudo bem. Não podemos deixar ninguém dizer quem somos, qual nossa identidade ou como nosso corpo deve ser.

Temos que nos levantar diante dos diferentes tipos de machismos, inclusive os que vêm acompanhados pela transfobia, lesbofobia e racismo. Porque não importa qual a minha identidade (brancx, negrx, hétero, lésbica, gay, cis, trans*, etc) o que importa mesmo é que a gente cuida umx da outrx.

Agora o agressor, todas as pessoas presentes naquela dia e você que está lendo esse post sabem que se mexer com uma, mexeu com todas.

Texto de Thayz Athayde

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