Por
que não uma crônica?
Lendo recentemente a obra de
Rubem Braga, na verdade fazendo uma releitura, tendo em vista o centenário de
seu nascimento (02 de janeiro), senti uma euforia tão grande pelo seu trabalho,
que imediatamente me veio a vontade de sair escrevendo crônicas, todos os dias.
Esse gênero
literário/jornalístico já teve momentos de glória em nossos jornais diários ou
semanários, pena que esteja meio desprestigiado. Hoje os artigos editoriais
fazem os comentários dos fatos que são notícia, com análise mais detalhada, mas
nunca com a leveza e a graça de uma crônica, que pega o cotidiano e estabelece
relações com outros fatos e, muitas vezes, de forma poética.
Com esses pensamentos, estava,
dias atrás, sentada, tomando um café em
um shopping da cidade, quando avança pelo corredor um homem negro, bastante
alto e forte. Perdão, seria afro-descendente? Não importa, pois não pretendo
pintar a cor com tinta de preconceito ou em tom pejorativo. Mas voltemos à cena.
Ao se aproximar da minha mesa, nossos olhares se cruzam e senti que já tinha
visto aquela expressão, que não me trazia conforto.
Em poucos minutos, lembrei o
que era. Seus olhos e seu aspecto eram os mesmos do personagem do filme “Django
Livre”, dirigido pelo polêmico Quentin Tarantino, em cartaz e concorrente a
cinco prêmios do Oscar. Não era seu personagem principal, mas um dos vilões - um
escravo muito emblemático, que tinha os privilégios da casa do senhor da
fazenda (Leonardo DiCaprio), justamente por ser o traidor da sua raça e delator
de todos os movimentos dos empregados, em benefício do patrão. Ele é o ator
Samuel L. Jackson e interpreta Stephen.
De súbito, senti um mal estar, ao lembrar das
cenas do filme, mas logo cai na real, pois os 155 anos que nos separam da
escravidão nos Estados Unidos e em um período histórico diferente, nada tinham
a ver com a imagem que ora passava à minha frente.
Continuando a seguir seus
passos, percebi que logo atrás vinham, provavelmente, sua mulher e filho e
senti que havia uma harmonia entre a família e que, imaginei, deveria ser um
homem bom e tratando seus iguais com respeito. De forma um tanto quanto
inconsciente, deu vontade de aplaudir, a mesma reação que tive quando as luzes se
acenderam no cinema e os letreiros mostravam a ficha técnica.
Era o resultado da vitória
dos bons e dos justos, independente de serem brancos ou pretos. Aliás, o filme
merece todas as palmas.
E assim nasceu esta crônica.
Eunice Tomé –
Jornalista e Escritora
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